segunda-feira, 18 de outubro de 2010
Meditar
Presenças. Apenas e tão somente. Aromas. Cheiro do mato. Cheiro da chuva. Bolinhos de chuva. Céu de chuva. Barulho de chuva. Gotas de suor. Ruídos. Lenha. Serrador de lenha. Fogão a lenha. Cebolas picadas recém colhidas da horta. Cenouras ainda com terra. Pão. Cestas de pão. Casquinhas de pão. Grilos. Crianças. Choro de criança. Chorinho. Sapo. Sensações. Ossos. Bunda. Frio. Quente. Macio. Duro. Pés. Formigas. Formigas nos pés. Formigamento. Peito. Aperto. Nó. Soltura. Espaço. Ar. Amplidão. Domínio da mente. Domínio do pensamento. Sim. Não. Não quero. Quero. Flagrante. Agora não. Domínio do tempo. Ontem foi. Passou. Amanhã mora longe. Aqui. Agora. Possibilidade única. Tangível. Contemplação plenamente possível.
quarta-feira, 13 de outubro de 2010
O voo
(essa história nasceu assim: Dani Pretto - mora em Lisboa e fez essa linda foto -
todos os dias admirava essa senhora feliz em sua janela; até que um dia passou e viu
a mesma fechada com placa de vende-se)
Que estranho, vejam só.
A janela da Lapa bateu asas e voou.
Bem me intrigavam aquelas ventas escancaradas
da manhã ao entardecer.
Mas que outras molduras ornamentariam tão bem
os doces cabelos de algodão daquela bela senhora?
E existiriam plateias mais dignas, fieis e distintas
Que aqueles senhorzinhos trajados com pequenos smokings?
Todos os dias estavam lá, diante da bela senhora, diante da bela janela.
Eles, falando com ela. Ela, assobiando para eles.
Um dia, belo, como todos os outros,
Receberam visita.
O tempo chegou para um, assim como chega para todos os outros.
A janela se foi.
Mas as longas e felizes conversas da senhora com os pombos
Continuam lá.
Ainda dá para ouvir.
sábado, 9 de outubro de 2010
Peeling
Fiz peeling
I’m getting older
Sou capaz de tudo
Ou melhor,
Plásticas não
To do or not to do?
Eis a questão.
Mas me render às escavações cosméticas, sou capaz
Sim, sou
Why not?
I told you
Fiz peeling
Mas, uma coisa é fato
Concreto,
Preto no branco
Me rendo
À cosméstica que de fato devolva o encanto dos trinta,
Mas jamais encubra o brilho dos quarenta.
I’m getting older
Sou capaz de tudo
Ou melhor,
Plásticas não
To do or not to do?
Eis a questão.
Mas me render às escavações cosméticas, sou capaz
Sim, sou
Why not?
I told you
Fiz peeling
Mas, uma coisa é fato
Concreto,
Preto no branco
Me rendo
À cosméstica que de fato devolva o encanto dos trinta,
Mas jamais encubra o brilho dos quarenta.
domingo, 5 de setembro de 2010
Um presente de mãe
Filho, como você cresce rápido, mal consigo te dar um presente por dia.
Gostaria de te dar uma árvore. Aquela que a gente vê do carro no caminho pra casa da titia. Você fica olhando tanto pra ela. Queria ver você subindo nela ou a gente entrelaçando uma corda pra você balançar, balançar.
Queria te dar flores também. Parar naquelas casas com lindos jardins na volta da escola e
te dar o nome de cada uma delas, girassóis, margaridas e minhas preferidas, primaveras.
Queria te dar pássaros, deitar com você na grama e contar quantos estão voando naquele momento. Queria te dar uma coleção de nuvens com cara de bichos e monstros. Fazia tanto isso quando era criança.
Queria te dar o vento no rosto, risadas à toa, te dar horas e horas sem olhar a cada minuto
no relógio. Ah... gostaria de te dar longas conversas sem atender o celular.
Sabe, filho, queria te dar uma escola onde você tivesse mais prazeres do que deveres. Mais desafios do que lições. Onde você pudesse simplesmente brincar, se pintar, se sujar e
se descobrir sem eu te pressionar se um dia você vai entrar na faculdade.
Me perdoe, filho, só tenho te dado futuro, não é mesmo?
Mas juro, daqui pra frente prometo te dar mais presentes.
Gostaria de te dar uma árvore. Aquela que a gente vê do carro no caminho pra casa da titia. Você fica olhando tanto pra ela. Queria ver você subindo nela ou a gente entrelaçando uma corda pra você balançar, balançar.
Queria te dar flores também. Parar naquelas casas com lindos jardins na volta da escola e
te dar o nome de cada uma delas, girassóis, margaridas e minhas preferidas, primaveras.
Queria te dar pássaros, deitar com você na grama e contar quantos estão voando naquele momento. Queria te dar uma coleção de nuvens com cara de bichos e monstros. Fazia tanto isso quando era criança.
Queria te dar o vento no rosto, risadas à toa, te dar horas e horas sem olhar a cada minuto
no relógio. Ah... gostaria de te dar longas conversas sem atender o celular.
Sabe, filho, queria te dar uma escola onde você tivesse mais prazeres do que deveres. Mais desafios do que lições. Onde você pudesse simplesmente brincar, se pintar, se sujar e
se descobrir sem eu te pressionar se um dia você vai entrar na faculdade.
Me perdoe, filho, só tenho te dado futuro, não é mesmo?
Mas juro, daqui pra frente prometo te dar mais presentes.
quarta-feira, 18 de agosto de 2010
Rizoma
Olhando de fora se vê apenas aquilo. Nada mais que uma mesa, uma janela e uma árvore atrás da janela. Claro, não dá pra simplificar tanto assim. Convenhamos que se trata de uma composição nada habitual para uma sala de escritório, no mínimo um visual arborizado no meio de uma selva de pedra. Uma paisagem um tanto privilegiada.
Quem é que não gostaria de ter para si o seguinte panorama: todos os dias acordar, tomar café, pegar o carro e enfrentar o trânsito sabendo que uma árvore a espera para iniciar o cronograma?
Pois bem, essa é a pintura estática. Aquela árvore não está ali por mero acaso. Os peritos em nanotecnologia já desvendaram tudo. De suas folhas são extraídos insumos que semeiam terrenos inférteis, mal-plantados, em florestas distantes. Descobriram também que é na calada da noite que os planos florescem. E ao abrir a janela para o frescor da manhã penetrar sala adentro, os extratos se espalham através dos polens que se espalham sobre a mesa dela.
Suas narinas aspiram o límpido ar ligeiramente, e as ramificações internas de seu nariz arejam seu cérebro em questão de segundos, germinando, germinando ideias sem cessar. Eis que surgem entroncamentos, mix de culturas, experimentações, preparação de solos, adubagem, zilhões de insights frescos jorrando como água da nascente, forças sobrenaturais que movem montanhas, alastrando caules e raízes mundo afora.
Como no outono, ali também ocorre troca de folhas. Aos poucos as secas vão dando vazão ao vazio, e o vazio, aos brotos. A interatividade é total.
Viu só? Nada de árvore plantada sem fazer nada só enfeitando a paisagem. A pintura é dinâmica.
Quem é que não gostaria de ter para si o seguinte panorama: todos os dias acordar, tomar café, pegar o carro e enfrentar o trânsito sabendo que uma árvore a espera para iniciar o cronograma?
Pois bem, essa é a pintura estática. Aquela árvore não está ali por mero acaso. Os peritos em nanotecnologia já desvendaram tudo. De suas folhas são extraídos insumos que semeiam terrenos inférteis, mal-plantados, em florestas distantes. Descobriram também que é na calada da noite que os planos florescem. E ao abrir a janela para o frescor da manhã penetrar sala adentro, os extratos se espalham através dos polens que se espalham sobre a mesa dela.
Suas narinas aspiram o límpido ar ligeiramente, e as ramificações internas de seu nariz arejam seu cérebro em questão de segundos, germinando, germinando ideias sem cessar. Eis que surgem entroncamentos, mix de culturas, experimentações, preparação de solos, adubagem, zilhões de insights frescos jorrando como água da nascente, forças sobrenaturais que movem montanhas, alastrando caules e raízes mundo afora.
Como no outono, ali também ocorre troca de folhas. Aos poucos as secas vão dando vazão ao vazio, e o vazio, aos brotos. A interatividade é total.
Viu só? Nada de árvore plantada sem fazer nada só enfeitando a paisagem. A pintura é dinâmica.
sexta-feira, 13 de agosto de 2010
A verdadeira Disneyworld
Dessa vez não tivemos que acessar nenhum paraíso-ilhado e nem comprar ingressos pra nos divertir. A diversão estava nas ruas, a cada quarteirão, a qualquer momento no meio das cidades, pra todas as crianças, de zero a noventa anos.
Não havia grades, cercas elétricas, arames farpados, guaritas nem vidros blindados. Não havia condomínios fechados com clubes para alguns privilegiados.
Havia sim mães entrando com carrinhos de bebês pra dentro dos ônibus com degraus que descem ao nível da calçada. Pracinhas arborizadas lotadas de imensos canos coloridos que jorravam águas divertidas em cima das crianças e seus papais. Ou chafarizes secretos, prontos pra molhá-las ao inverso, do chão pro alto.
Os pais que não estavam no meio da molhadeira assistiam tudo sentados
em confortáveis bancos de madeira armando o piquenique. Não, lá ninguém é farofeiro por fazer piqueniques, muito menos pobre.
Fim da brincadeira, hora de ler, que tal uma paradinha numa enorme biblioteca em que a ala infantil tem bichinhos de pelúcia em cima das estantes dos livros? A história já começa a ficar ainda mais divertida, afinal, ler diariamente não é nenhum bicho do outro mundo.
O dia todo nas ruas sem nem olhar na hora de atravessar. E o mais divertido ainda fica na hora de voltar pra casa. Como vamos? de Sky-trem? de metrô, de ônibus que carregam bicicletas na dianteira? de ônibus movidos a eletricidade? Ou vamos de bike, já que há mais de seis mil bikes em quatrocentos pontos espalhados pela cidade? Não, não. Vai ser mais engraçado ir de charrete vendo o cavalo fazer coco nos fraldões de couro pra não sujar a rua.
Ai que sede, também, puxa!! E a fome já bateu. – Mamãe, por que o garçon trouxe água sem a gente pedir? Aqui água é de graça?!
Não, hoje andamos muito, e agora com o estômago cheio é melhor ir de ônibus mesmo. Chega aqui no ponto, vamos olhar a planilha: olha só, o itinerário do ônibus 108 passa perto do nosso hotel, e chega daqui há dois minutinhos, às oito e quarenta e dois. – Não, ele chegou antes do horário e tá ali desligado esperando os passageiros. Ahh.. mas eu queria ver de novo aqueles esquilinhos no parque! - Boa tarde, tudo bem? - Responde, filho, o morotorista perguntou se você está bem, responde. – Você conhece ele, mamãe?!
Peraí, peraí, não entra no ônibus, não. Olhe só pra baixo daquele viaduto: vai começar o espetáculo do Cirque Du Soleil, e é de graça!
- Puxa, mamãe, por que não inventam mais parques de diversão no meio das ruas como esses lá onde a gente mora?
Educação gratuita, só que não é em nenhuma escola.
Um mundo de perguntas, uma enciclopédia.
Marcelo perguntou muito. De tudo.
Por que as pessoas paravam pra nos ajudar, a dar informações. Por que os carros paravam pras pessoas atravessarem mesmo fora da faixa de pedestres. Por que as crianças viviam tão soltas, sem amarrem suas mãos as mãos temerosas de seus pais. Por que as crianças podiam andar de bicicleta nas ruas. Por que tinha piscinas aquecidas públicas e limpas. Por que todo mundo fazia fila na mesma largura da faixa de pedestres até chegar sua vez de atravessar. Por que estavam construindo pontes nas estradas só para ursos, alces, bodes, esquilos atravessarem pro outro lado.
Esse paraíso a céu aberto já tem outro nome, mas Liberdade seria perfeito.
Canadá. É só um país, mas poderia ser o mundo.
Não havia grades, cercas elétricas, arames farpados, guaritas nem vidros blindados. Não havia condomínios fechados com clubes para alguns privilegiados.
Havia sim mães entrando com carrinhos de bebês pra dentro dos ônibus com degraus que descem ao nível da calçada. Pracinhas arborizadas lotadas de imensos canos coloridos que jorravam águas divertidas em cima das crianças e seus papais. Ou chafarizes secretos, prontos pra molhá-las ao inverso, do chão pro alto.
Os pais que não estavam no meio da molhadeira assistiam tudo sentados
em confortáveis bancos de madeira armando o piquenique. Não, lá ninguém é farofeiro por fazer piqueniques, muito menos pobre.
Fim da brincadeira, hora de ler, que tal uma paradinha numa enorme biblioteca em que a ala infantil tem bichinhos de pelúcia em cima das estantes dos livros? A história já começa a ficar ainda mais divertida, afinal, ler diariamente não é nenhum bicho do outro mundo.
O dia todo nas ruas sem nem olhar na hora de atravessar. E o mais divertido ainda fica na hora de voltar pra casa. Como vamos? de Sky-trem? de metrô, de ônibus que carregam bicicletas na dianteira? de ônibus movidos a eletricidade? Ou vamos de bike, já que há mais de seis mil bikes em quatrocentos pontos espalhados pela cidade? Não, não. Vai ser mais engraçado ir de charrete vendo o cavalo fazer coco nos fraldões de couro pra não sujar a rua.
Ai que sede, também, puxa!! E a fome já bateu. – Mamãe, por que o garçon trouxe água sem a gente pedir? Aqui água é de graça?!
Não, hoje andamos muito, e agora com o estômago cheio é melhor ir de ônibus mesmo. Chega aqui no ponto, vamos olhar a planilha: olha só, o itinerário do ônibus 108 passa perto do nosso hotel, e chega daqui há dois minutinhos, às oito e quarenta e dois. – Não, ele chegou antes do horário e tá ali desligado esperando os passageiros. Ahh.. mas eu queria ver de novo aqueles esquilinhos no parque! - Boa tarde, tudo bem? - Responde, filho, o morotorista perguntou se você está bem, responde. – Você conhece ele, mamãe?!
Peraí, peraí, não entra no ônibus, não. Olhe só pra baixo daquele viaduto: vai começar o espetáculo do Cirque Du Soleil, e é de graça!
- Puxa, mamãe, por que não inventam mais parques de diversão no meio das ruas como esses lá onde a gente mora?
Educação gratuita, só que não é em nenhuma escola.
Um mundo de perguntas, uma enciclopédia.
Marcelo perguntou muito. De tudo.
Por que as pessoas paravam pra nos ajudar, a dar informações. Por que os carros paravam pras pessoas atravessarem mesmo fora da faixa de pedestres. Por que as crianças viviam tão soltas, sem amarrem suas mãos as mãos temerosas de seus pais. Por que as crianças podiam andar de bicicleta nas ruas. Por que tinha piscinas aquecidas públicas e limpas. Por que todo mundo fazia fila na mesma largura da faixa de pedestres até chegar sua vez de atravessar. Por que estavam construindo pontes nas estradas só para ursos, alces, bodes, esquilos atravessarem pro outro lado.
Esse paraíso a céu aberto já tem outro nome, mas Liberdade seria perfeito.
Canadá. É só um país, mas poderia ser o mundo.
quarta-feira, 9 de junho de 2010
A flor e o jardineiro
Apesar de alguns espinhos, não deixava de ser flor. Apesar de despetalada, também não. Flor era flor e só queria um lindo jardim para crescer. Um lindo jardim e algo mais precioso: descobrir qual flor ela era afinal. Flor vivia pelos cantos, murcha e desidratada. Flor sobrevivia isso sim, ora num espaço mirrado, num pedaço de terreno arenoso quase sem vegetação, ora num vasinho qualquer cujo dono nem aparecia pra regar. Sem terra, sem água, sem identidade, flor vivia em desamor.
Mas como nem tudo na vida são só rosas, flor foi colhida e acolhida. Mãos experientes de um sábio jardineiro reconheceram em flor a dor. Férteis mãos cuidavam de flor como ninguém,
e ajudavam flor a resgatar seu amor. Não, não era nenhum amor-perfeito. Mas dava flor.
Foi então que o jardineiro preparou o terreno com o mais nobre dos adubos e a mais fresca das águas. E replantou flor. Eram dias luminosos aqueles em que as sábias mãos a cultivavam com tanta delicadeza. Flor se derramava em pétalas tamanha emoção. No começo só sabia reconhecer qual flor ela não era, e já era o bastante. Se sentia viva naquele vasto jardim.
As raízes de flor começaram a fincar na terra. Flor foi florescendo e desabrochando tanto que um belo dia surgiu um lindo beija-flor. Ela quis voar como ele, e voou. Juntos fizeram um lindo ninho florido. Flor agora tem cor. Do alto de seu jardim particular, lá no topo da árvore, flor observa o jardineiro e suas abençoadas mãos. Flor já sabe que flor ela é, ele também. Mas isso é o que menos importa. O que importa é que flor não fica mais plantada esperando a primavera chegar. Flor dá flor em qualquer estação do ano.
Mas como nem tudo na vida são só rosas, flor foi colhida e acolhida. Mãos experientes de um sábio jardineiro reconheceram em flor a dor. Férteis mãos cuidavam de flor como ninguém,
e ajudavam flor a resgatar seu amor. Não, não era nenhum amor-perfeito. Mas dava flor.
Foi então que o jardineiro preparou o terreno com o mais nobre dos adubos e a mais fresca das águas. E replantou flor. Eram dias luminosos aqueles em que as sábias mãos a cultivavam com tanta delicadeza. Flor se derramava em pétalas tamanha emoção. No começo só sabia reconhecer qual flor ela não era, e já era o bastante. Se sentia viva naquele vasto jardim.
As raízes de flor começaram a fincar na terra. Flor foi florescendo e desabrochando tanto que um belo dia surgiu um lindo beija-flor. Ela quis voar como ele, e voou. Juntos fizeram um lindo ninho florido. Flor agora tem cor. Do alto de seu jardim particular, lá no topo da árvore, flor observa o jardineiro e suas abençoadas mãos. Flor já sabe que flor ela é, ele também. Mas isso é o que menos importa. O que importa é que flor não fica mais plantada esperando a primavera chegar. Flor dá flor em qualquer estação do ano.
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