sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Parece que foi ontem



foto de Dani Pretto

















Ela estava correndo sobre os trilhos do trem, brincando, ainda muito menina, como sempre fazia todas as tardes logo após o almoço, quando alguém desconhecido parou e lhe disse:
- um dia essa senhora virá ao seu encontro. Aquele rosto nada significou, afinal, quem era aquela velha senhora? Continuou a brincadeira com seu jeitinho travesso de moleca e seu sorriso maroto sem os dentinhos da frente que simpaticamente apelidaram de janelinhas.
A vida foi correndo sobre trilhos. A menina das janelinhas foi ganhando horizontes, encontrando homens e mulheres que jamais havia visto na vida, mas nunca se deparou com aquela marcante imagem de infância. Foi um sonho, pensou.
A menina das janelinhas amava a beleza e a cultuava como uma deusa. Em tempos narcisistas, seu corpo não entregava os números. A moldura era seu templo. A vaidade, seu santuário.

E assim, de tempos em tempos, passaram os vagões. E, dentro deles, multidões. Os olhos, ainda de menina, procuraram pela senhora, em cada um dos assentos. Mas, nada! Ela nunca aparecera.
Dias antes de sua morte alguém bateu à sua porta.
Um homem lhe entregou uma linda caixa com uma carta sobre a tampa.
Ela abriu a carta: A vida inteira você me procurou, mas saiba que eu a acompanho desde

que você nasceu. Talvez agora você já esteja preparada para me ver.
Ela destampou a caixa e tirou um espelho.


domingo, 19 de dezembro de 2010

Passos



foto de Dani Pretto











Se pensas que sigo seus passos te enganas, ah!
Vou fingir, sim, por alguns anos vou.
Deixarei imaginar que serei tua sombra e que tu és meu caminho, ah!
Porém, já conheço minhas pegadas, todas!
Desde antes de aqui aportar.
Te trarei dúvidas, angústias, algumas meias noites.
De meu paradeiro só eu sei e saberei, se me deixares.
E, se não, te enfrentareis como já enfrento a mim mesma, mesmo que duvides, porque

diante de ti devo parecer uma ainda quase ninguém.
Tu és um tolo em crer em carcaças!

Deixe estar. Te entrego minhas mãos. Vamos, leve, se iluda enquanto podes.
A ilusão te carregará adiante, te dará alguns passos diante da vida. Te dará poder.
Sigas em frente, mas não tropeces na hora da verdade. Logo ela se descortinará.
E aí quem sabe não sou eu que te guiarei ao seu encontro. Pareces tão perdido!

Venha comigo, venha! Já andei por essas pedras, não temas! Não são tão tortuosas quanto parecem.