segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Meias encardidas

Se tem uma coisa que me deixa feliz com a chegada do fim do ano é ver que meu filho cresceu. Mais que isso. É ver como ele cresceu. E quando olho para o como não tem jeito de não olhar para a sua escola. E aí vem mais um grande motivo de alegria. A escola do meu filho é tudo de bom. É um casamento que vem dando certo. Justamente porque ninguém está brincando de casinha, de par perfeito, de alma gêmea. Tem dado certo porque nada é velado. Os amores e dissabores moram debaixo do mesmo teto. E podem ser compartilhados para serem transmutados, crescidos, verificados. Tudo o que acontece do lado de lá eu sei. Pelas bocas e vozes das pessoas que ali trabalham. E não por telas monitoradas via internet muito menos por boletins, agendas ou manuais de comportamento. Vejo que meu filho se aproximou da letra bastão e que ainda teme um pouco a letra cursiva, mas que os ponteiros de seu tempo interno foram amplamente respeitados. Fico feliz que ele termine o ano sem dominar a cursiva. Pra que pressa? Aliás, me pergunto: onde mães e pais com filhos de apenas seis anos como o meu estão indo com tanta pressa?
Alfabetização aos quatro. Bilíngüe desde a maternidade, de preferência. Natação. Piano. Judô. Balé. Karatê. E o pior vem agora. Requisito Básico de uma Excelente Candidata à Pré-Escola: aquela que inclua um ensino médio forte que prepare para o vestibular!
A culpa é de quem, das escolas? As escolas são produtos como qualquer outro. Só existem e são como são porque há demanda. A culpa é dos pais que desejam isso para seus filhos. Nem diria culpa porque o buraco é bem mais embaixo. Diria sufoco e opressão mal cuidados que se transformam em bola de neve. Pais que vêm sendo massacrados por cobranças infindáveis de MBAs e pós e mais pós para no fim verem tudo isso explodir num curto espaço de tempo - perto dos quarenta ou cinquenta. Talvez inconscientemente esses pais queiram poupar seus filhos, querendo que eles adiantem essas etapas...que estejam mais preparados, sofram menos...algo assim... É duro, eu sei. E com isso ninguém olha pra escola e para a infância com o olhar que ela merece, com o olhar do aqui e agora... é uma pena.
Eu também me cobro tudo isso, mas alguma coisa me segura no aqui, quero ficar nesse momento, viver o hoje do meu filho. Não sei se é porque escrevo, então quero reescrever essa história. Quero acreditar que ele não vai precisar entrar nessa loucura desvairada para exercer seus talentos e capacidades. Por isso está na escola que está. Um lugar que o ajuda a revelar e ampliar suas potencialidades de verdade. Um lugar que o escuta, que mostra pra ele o que são os espaços, os dele e os dos outros. Um lugar onde ele bota a mão nas artes, nos livros, nas pinturas, nos jardins. Que ele sai de casa limpinho e volta pra casa um trapinho, todo sujo e rasgado, de ter até que jogar as meias dele fora de tão encardidas. Mas essa é a escola que me deixa feliz. Que fala a língua da gente, que conjuga o mesmo verbo: viver para crescer.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Relógios

Quando chega essa época do ano ficamos perdidos sem saber o que dar para quem de presente. Ponteiros. Pensei. Por que não? As pessoas simplesmente são fascinadas por ponteiros de relógios. Talvez por isso a paixão de alguns por colecioná-los. O apelo não está nas marcas, nos quilates e brilhantes. Nem na origem. Sim está nos ponteiros! Afinal são eles os condutores do tempo. Observando melhor agora, os ponteiros sempre exerceram um grande poder sobre mim. Como se eu quisesse ser um deles. Sim, seria uma forma de controlar o tempo, o mundo, de consertar um erro, desfazer um mal-entendido, não carregar um arrependimento nas costas, passar rápido aquele ano que está tão ruim, encompridar as férias, encurtar o dia chato de trabalho, prolongar os dezessete anos...humm..delícia! e prorrogar os benditos cinqüenta. Pensando bem, quem é que não gostaria de ter a chance de ser um ponteiro pelo menos uma vez na vida?! Seria muito mais compensador do que os quinze minutos de fama que não consertam nada do que já passou e nem são capazes de aumentar o tempo que está por vir.
O tempo anda muito mais escasso do que fama, beleza e dinheiro. Para esses três já inventaram os mais criativos e revolucionários métodos. Mídia, marketing pessoal, escândalos em faculdades, cuecas famosas, mil e uma plásticas, fotos em revistas masculinas, cargos políticos. Agora, conseguir tempo real... até hoje ninguém conseguiu. Nem com todos os avançados recursos tecnológicos disponíveis por aí. Portanto....tá resolvido. Lista de presente de Natal: ponteiros pra todo mundo. Inclusive pra mim que adoro ter um tempinho extra pra escrever essas bobagens!

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Pequenas Deusas

Plantaram suas sementes. E novamente vão brincar de deusas.
Nada de fazer comidinhas, esmaltar as unhas, trocar roupas da barbie.
Minhas pequenas louras foram ao pomar conceber novos frutos.
Já não é a primeira vez que deixam outras brincadeiras de lado para brincar dessa brincadeira. Cada uma nesse delírio onipotente e mágico já trouxe ao mundo um lindo boneco que de tão macio parece de verdade.
Para essa espécie cor de rosa, brincar de deusas é como ser a mulher de Deus por alguns instantes. Fantasiosas que são, acreditam tanto em seus super poderes que são capazes de trazer mais um ser para esse planeta...como se fossem Deus.
Dá até pra entender porque acabam deixando outras brincadeiras de lado.
Sem contar a outra parte deliciosa da brincadeira. Colecionar interrogações.
Uma pequena caixinha cheia de ques, quando, como, quem, cada uma embaladinha em acetinados laços de emoção. Cada dia uma novidade!
Já inventaram de tudo. Games, álbuns, milhares de joguinhos, mas nenhuma outra brincadeira dura tanto e no final é que tudo começa de verdade.
Dá pra entender? Claro que não!
Coisas de fadas, magas e indecifráveis seres de outra galáxia.
Coisas dessas minhas louras e adoráveis pequenas deusas.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Jardins medievais

Andando por jardins medievais, em meio a arbustos bem aparados, ele surge. Uma figura máscula de aspecto rudimentar trajes escuros cabelos e barbas abundantes. Ele me olha sob um ângulo nada frugal. Me enfeita e me enfeitiça. Me ama instantaneamente. Estou do jeito mais simples que alguém poderia estar. Faces lavadas, alguns fios de cabelos grudados no rosto pelo suor e pelo vento, sem ornamentos dignos da corte. Ele me olha e me deseja assim dessa maneira modesta, vestida de mim mesma, sem apetrechos nem máscaras. Desce de seu cavalo e ergue minha mão, beijando-a infinitamente.
Eu e minha prima, de cabelos longos e negros como os meus, vamos com ele em seu cavalo ao nosso castelo. Nossos aposentos são os mais módicos. Estamos em um quarto espaçoso com móveis pesados esculpidos em marrom rococó. O cavalheiro nos convida para um refresco sob o pôr do sol. Nossos colos fazem uma leve mesura simultânea aceitando o convite. Sentado numa das camas do aposento, lá no canto, ele observa o contorno de meu corpo. Minha prima e eu estamos sentadas na cama maior, mais próxima de um espelho. Viro-me de costas para o cavalheiro, abro o armário e pego pequenas caixinhas de vidro transparentes. A beleza das joias que retiro delas reside em suas delicadezas. Coloco um pequeno par de brincos branco, um pequeno colar branco e uma pequena aliança branca. Nas maçãs do rosto, apenas um leve pó de arroz empalidecendo a pele. Pressinto sua ansiedade que me é confirmada pelo som de suas ofegantes narinas e pelo minúsculo espelho do pó de arroz por onde o espio com discrição. Suas mãos tentam alisar alguns pêlos arredios de suas barbas. Apenas um borrão cor de rosa claro sobre os lábios e meu sorriso vespertino está pronto.
Quando viro anunciando a partida, seus olhos são de horror. Seu olho esquerdo toma proporções caricatas. De príncipe a monstro em frações de segundos. Feroz, ele cobre parte do rosto arrastando a barra de sua capa até a cabeça. – Nãoooo! Eu não posso! Tamanha beleza me machuca! Nunca mais quero vê-la diante de mim.
Ele corre para a porta. Vou atrás, clamando por seu genuíno amor.
- Saia de perto, ele grita, saaaaia..ainda mais enfurecido. Eu amo aquela beleza simples que vi em você, não entende? Jamais poderei conviver com beleza maior.
Partiu como chegou. De maneira inesperada, com gestos singelos, marcantes e terrivelmente assustadores.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Ócios do ofício

Hoje o autor está sem vontade de escrever. Finalmente comprou seu sonhado colchão de molas e está louco pra ficar só e não ouvir uma palavra sequer. O dia está chuvoso, perfeito para ficar de pijama, tomar um café em cima do colchão novo, ficar debaixo dos lençóis e curtir o ócio. O dia seria perfeito, e pra sua garantia pôs tudo no off: telefone, celular, TV, rádio, campainha, empregada, passarinhos. Pegou uma revista qualquer e começou a folhear a esmo. Lembrou do playlist que havia feito para o dia que tivesse tempo de ouvir música clássica, sua preferida. Abriu a gaveta e pegou o ipod. Pôs os fones e delirou com aquele idílio narcisista. De repente observa uma luz acendendo em seu laptop.
Ato falho, foi o único eletrônico que ficou on. Como podia ter deixado on, indagou com certa indignação. Não quis dar bola, mas a luz ia e vinha numa constante. Lembrou de um amigo que estava para chegar no Brasil, olhou no relógio de pulso e viu que ainda não era o dia que ele chegaria. Seria algum email urgente, então?, em pleno domingo?!
Com os pés arrastou o laptop da beira da cama até a cabeceira, onde estava divinamente acomodado num travesseiro gordo. Quem será?
Consultou seus emails. Nada de novo. Nada do que já não tinha visto. Talvez alguém ligando pelo skype. Sim, sua filha mais velha estava viajando a trabalho. Ninguém no skype.
Sem querer esbarrou no ícone do Word. Segundo ato falho. Está viciado em abrir o Word. Ouviu uma voz diferente. Tornou a olhar para a porta, certificando-se que todos haviam saído de casa. Sem que ele ordenasse, seus dedos começaram a teclar, teclar, cada vez mais rápido. Não conseguia conter o impulso de suas mãos. Um personagem desconhecido queria se comunicar. Palavras e mais palavras foram alucinadamente descarregadas. Aos montes. Quase sem vírgulas para respirar. Ele mal entende o que digita. É um diálogo entre dois desconhecidos. Um homem e uma mulher. Ele não sabe se são casados ou apenas bons amigos. Nem bons amigos ele sabe se são. Intui que o suposto casal ou os supostos bons amigos têm muito a dizer um para o outro. Aos poucos ele vai lendo o que escreve e percebe que há tempos não se viam. Estavam saudosos um do outro, apesar dos rancores. O autor não concorda quando o homem a chama de incompreensível. Pelo pouco que já conhece dos dois e, principalmente da mulher, nota que ela pode ser tudo na vida, menos incompreensível. Uma mulher incompreensível não teria feito uma carta num papel de cartas tão bonito, escolhido a dedo, que não foi comprado numa papelaria qualquer. Uma mulher incompreensível teria comprado um envelope-padrão, tipo correio, lugar-comum. O homem sim estava reticente demais.
O autor está curioso para saber o que mais havia acontecido entre eles. Se afinal eram mesmo um casal que havia se separado por algum tempo. Se estavam divorciados. Mas certas intimidades eles falavam baixinho demais, quase sussurrando, praticamente impossível de ouvir. O autor não se conforma com isso, afinal ele é ou não é o autor dessa história, porra? Por ele, ainda estava lá jogado na cama agarrado em seu ócio. Tinha tirado o dia pra ler e não pra escrever. Mas estava ali, numa situação inenarrável. Ninguém acreditaria se ele contasse.
Pensou em largar o laptop, já que não conseguia nem mesmo ouvir os sussurros do casal.
Quis continuar o que tinha parado: estrear o novo colchão de molas. Estava gostando de sua maciez. Ele sempre quis um colchão daquele, de molas, muitas molas. Quando viaja para dar palestras sobre seus livros, fica em hotéis com colchão de molas, acha que relaxa mais, alivia as dores crônicas da coluna. Por que não em casa?
O laptop não queria fechar. De jeito nenhum. Ele forçou tirando braço de ferro com o troço, mas tinha emperrado. Pensou duas vezes antes de forçar novamente, afinal um novo laptop poderia custar mais do que o novo colchão de molas. Então tirou o laptop do colo e colocou sobre o colchão. O casal se sentiu mais à vontade, gostaram do conforto do colchão.
Mais relaxados, os dois começaram a dar mais detalhes. Agora falavam alto sobre mágoas, traições. Não. Não pense que um traiu o outro com outra pessoa. Não foi isso. Eram traições piores. Segredos revelados em público. Não há nada que fira mais uma pessoa do que seus segredos expostos publicamente. Ainda mais por uma pessoa tão íntima.
A carta dela pedia desculpas, embora o autor não concordasse que fosse o momento adequado de entregar a ele. Por outro lado isso podia abreviar a história e o autor poderia voltar ao seu descanso dominical. Fazia tempo que ele não ficava estirado, tirando um bom cochilo. Fazia tempo que não tinha um tempo pra não escrever.
Sinceramente não esperava por visitas. Não naquele dia. Muito menos daquele tipo... casais em crise. Não estava com paciência para textos que discutem a relação. Se ainda fossem engraçados, podia até ser. Poderia dar boas risadas, se divertir um pouco enquanto escrevia. Mas um dramalhão daqueles!
Com muito custo tentou novamente eeeeee pumba - shutdown no laptop.
De nada adiantou. As vozes dos dois permaneciam em sua mente. Cada sílaba, cada exclamação. Quem escreve, nunca está só.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Altruísmo

Tirei o dia pra não fazer nada por mim. Fui ao mercado, porque a família estava precisando ser abastecida. Eu mesma não tava precisando de nada. Na saída estacionei meu carrinho ao lado do caixa preferencial para idosos, gestantes e deficientes. Um casal de velhinhos estava nesse caixa preferencial tirando as compras do carrinho quando notei o enorme esforço do velhinho para tirar uma garrafa de água de cinco litros da parte de baixo. Larguei meu carrinho no outro caixa e fui até ele, me agachei tirando a garrafa ali de baixo e suspendendo até a esteira. – Tá apressadinha, é? Então vai noutro caixa! Não tá vendo que aqui é pra idosos, minha filha? Nem precisa dizer que se a velhinha da mulher dele não fosse uma velhinha eu tinha subido no pescoço dela. O velhinho ficou com aquela cara de ai, minha filha, ela mandou a vida inteira em mim não é agora que vou fazer uma tempestade numa garrafa d´água. Voltei pra minha fila e aguardei minha vez. Passei as compras e conferi a notinha. – Moça, a conta tá errada. A caixa me devorou viva, olhando a longa fila que se fazia atrás de mim. – Que que é dona, que que tá errado aí? – Você passou o vinho só uma vez, e eu tô levando duas garrafas. Eu nem teria notado que sua sobrancelha era uma perigosa taturana daquelas que esturricam os dedos do pé da gente caso ela não tivesse erguido tanto a bichinha. – Pois é, moça, parece piada, mas eu tô falando que você esqueceu de computar mais uma garrafa aí nessa registradora e se eu não fosse sincera a grana ia sair do seu bolso no fim do dia. Não vai nem me agradecer por isso? Silêncio geral na nação. Nem um a.
E não foi só a taturana dela que ficou estampada lá no alto da testa não. A fila toda olhou desconfiada. Devia mais é ter saído sem falar nada. Mas como podia?, se era o dia escolhido pra não fazer nada por mim, só pelos outros? Cheguei em casa, despenquei as compras na pia e resolvi tomar um ar. Fui andar pelas ruas, eis que um moço à minha frente tirou um lenço do bolso de trás da calça e uma pequena carteira caiu. Corri até ele, peguei a carteira da calçada e quando fui entregar a bendita, ele se virou achando que eu tava tirando do bolso dele. Minha nossa senhora! Foi um fuzuê! Por pouco o mal-agradecido não chama a polícia! Virei as costas e resolvi voltar pra casa já que tava difícil mesmo fazer algo por alguém.
– Vou cuidar é de mim, pensei. Corri pra atravessar a rua antes que uma perua me pegasse de frente. Da perua eu desviei, mas não vi a moto que vinha na paralela. Fiz um zig-zag tentando escapar, mas a moto me arremessou longe, depois o motoqueiro caiu e se espatifou na sarjeta. Eu, ao contrário, não sofri nem um arranhão. Mais que depressa levantei e fui até ele, socorrê-lo. Olhei pro moço e deu dó, todo ensangüentado, da cabeça aos pés. Quando me viu abriu um dos olhos. Agachei em direção a ele que conseguiu com um esforço danado estender sua mão esquerda até mim. – Ufa, rapaz!, você tá vivo?!...Segurei o braço dele, respirei, e em seguida larguei, deixando cair pesadamente sobre o asfalto. – Tomara que agora venha uma jamanta bem carregada e passe em cima de você três vezes pra frente e pra trás até te esmigalhar em mil pedacinhos, cretino. Fui pra casa leve como uma pluma.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Meu pequeno Joaquim

Sei bem de onde vem esse meu desejo de ter um pequeno zoológico em casa. Ahhh..se eu pudesse! Tudo começou no quintal lá de casa. No Tatuapé. Como toda criança, eu era louca por um cachorrinho. Mas até chegar o bendito dia de convencer meu pai a termos um cão em casa fui ganhando outros animaizinhos como paliativo. Vieram os peixinhos de aquário, depois as tartarugas, os coelhinhos, mas a felicidade bateu mesmo à minha porta quando entrou o Joaquim. Que coisinha linda era aquele pintinho. Tão pequenino, tão menino, tão Joaquim. Não tive dúvidas de que o nome daquela criaturinha amarela seria esse.
Joaquim entrou no meu quintal e na minha vida de menina solitária. Sim, eu tinha mais quatro irmãos, mas todos já estavam com a cabeça nos livros, nos Beatles, nas namoradas. Eram bem mais velhos do que eu. Quando meus primos da minha idade não iam lá pra casa passar as tardes comigo, lá ia eu me refugiar no meu pequeno zôo.
Joaquim era o anfitrião do petit comitê. Era o rei dos meus animais. Parecia entender tão bem as tartarugas, os coelhos, os peixes. Como era inteligente o bichinho! Agora, o grande amor da vida dele, modéstia à parte, era eu. Pra onde eu ia aquele toquinho de gente, - claro, pra mim ele era como alguém da família – ia atrás de mim. Era tão engraçado porque parecia meu rabo. Tanto eu gostava dele correndo atrás de mim pelas calçadas que fazia ziguizagues pra ver ele de um lado pro outro que nem um louco. Como ele ficava tonto!
Um dia ele cresceu. E - quase que pra minha morte precoce - virou almoço.
Minha querida vó Ana nasceu em Portugal, Trás os Montes, obviamente, pra ela que viveu naquele remoto vilarejo, frango em casa era sinônimo de comida. Eu era pequena, ainda não sabia dessas coisas de costumes e culturas. Infelizmente só vim a saber quando ouvi qual era o cardápio do dia. Não, não fique com dó de mim, não. Esse foi apenas o primeiro dos assassinatos domésticos da serial-killer da minha vó. Depois vieram as tartarugas.
Uma delas, a que vivia na terra, fui encontrar morta na lata do lixo quando levei um saquinho com sobras do almoço que minha mãe pediu pra despejar. Vejam como a psicologia infantil do tipo “aos trancos e barrancos” passa rápido de mãe pra filha! Pelo menos, apesar do susto, e da forma trágica como tomei conhecimento do óbito, não tive que comer carne de tartaruga.
Os coelhinhos, que tinham nome e tudo, também tiveram seu papel gastronômico naquela casa. Depois do Joaquim, eram os dois que tinham suas próprias casinhas dentro do meu coração. Quando chegava da escola, depois da morte do Joaquim, eu jogava os cadernos no sofá e corria pra vê-los no quintal. Aqueles chumaços de algodão branco com aqueles olhinhos carentes e vermelhinhos me derretiam por dentro. Tá certo que eles acabaram com as ervas, temperos e chás que a vó Ana tinha plantado com tanto apreço e que eram ingredientes fundamentais nas suas gigantescas panelas. Não deu outra, foram pros caldeirões cozinhar junto com os poucos louros e cebolinhas que restaram da pequena horta.
Agora eu sei o que você vai me perguntar: se eu comi carne de cachorro? Por incrível que pareça aprendi precocemente nas ruas que cachorro-quente nada tinha a ver com carne de cachorro. E as duas cadelas que tive passaram em casa como um relâmpago. Meu querido pai deu um jeito de enxotar em tempo recorde. Literalmente da noite pro dia. Ou você acha que ele tinha mudado de ideia sobre aturar latidos e pisar em cocos? Bem, voltando às especiarias preparadas com tanto esmero lá na cozinha de casa, nem tartaruga, nem coelho, nem cachorro. A única coisa que continuei comendo foi frango, embora não o Joaquim, de jeito nenhum. Acho que porque já estava acostumada a comer aves antes dele ser abatido. E assim termina a triste trajetória de minha infância com os animais. Lembranças um pouco cruéis, mas que hoje se fazem tão doces em minhas memórias de menina.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Alma imoral

Ontem, depois que saí da peça a Alma Imoral que, entre outras coisas lancinantes, cita também uma judia-budista, uma interrogação que vive perseguindo meus pensamentos me pegou pelos ombros, me sacudindo novamente. Por quê? Por que não? Várias vezes me pego entre o porquê e o porquê não. E quando o assunto é religião, mais ainda. E essa minha questão insistente e atormentante é simples: por que temos que escolher apenas uma religião? Por que quando escolhemos uma temos que abandonar a outra, ou as outras? Por que devemos nos tornar ex-católicos para nos tornar autênticos espíritas?
A peça me fez refletir mais uma vez e creio que a minha resposta é sim, posso. Para mim o maniqueísmo religioso nunca fez o menor sentido. Posso sim ser budista e à noite rezar o Pai Nosso. Estarei entre o bem e o mal? Entre a cruz e a espada?

Lembro de uma passagem que me marcou quando ainda adolescente. A mãe da minha professora de balé, uma senhora cem por cento budista, me disse um dia: “tadinho de Cristo, foi um bom homem, tinha boas intenções, mas não deu certo”. Quer dizer então que pra adorar Buda é preciso negar Jesus?! Por que não adorar um, ou pelo menos admirá-los cada um a seu modo? Quer dizer então que quem é fanático pelos Beatles não pode ser fanático também pelos Rolling Stones? E o pior é que a sociedade cobra. Ahh se cobra! Experimenta dizer que você é um crente-muçulmano. Vão te torturar. Até você se definir. Como se o mix não fosse uma espécie de definição. Querem te culpar por ser espiritualmente eclético. É como a opção sexual. Ninguém acredita no bi.
Pra mim Deus deve se divertir muito com essa moral humana. São tantos intermediários em nome Dele que deve ser difícil fechar um contrato de fé. Prefiro ficar com uma verdade, se é que é preciso escolher uma só: de que a alma realmente não se apega a essas moralidades mundanas. De que alma, esta sim, tem fé.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Desaquecimento global

Vira e mexe converso com alguém sobre o aquecimento global. E a impressão que dá é que esse assunto causa outro tipo de aquecimento. Do sangue.
Hoje mesmo vi a brasileira que fez as esculturas de homens-gelo na Alemanha, mas, quer saber minha opinião? As pessoas definitivamente não querem tocar nesse assunto. Comece a falar pra você ver como um iceberg logo se monta a sua frente e depois vai despencando aos poucos até derreter toda a conversa. A gente fica parecendo aqueles chatos de carteirinha que querem te convencer que o Lula é um dos melhores presidentes ou aqueles que querem te convencer do contrário, que ele é dos piores. Tanto faz pra que lado você encaminhe a história. De um jeito ou de outro você faz o papel de chato-fundamentalista.
O aquecimento global inflama os ânimos do mesmo jeito, mas em vez do papo pegar fogo como pega quando é política, o papo esvazia de vez. E se essa mesma pessoa vir você no dia seguinte..humm.. pode apostar, cara, ela vai atravessar a calçada, fingir que não te viu e o escambal.
O povo que habita esse globo, nós, os globalizados, não costuma acreditar naquilo que não vê. Afinal, somos da terra de Santomé! Tá aí todo mundo fazendo de conta que é pura ficção científica. Coisas do Partido Verde. Eu bem que queria que fosse!


Aquecimento global é assunto de minoria. A maioria continua consumindo, consumindo, consumindo, tanto quanto antes ou talvez até mais pra aplacar essa chama escaldante que causa um certo incomodo. E quando enfim parece que o tal assunto evaporou de vez das rodinhas, lá vem o ecochato amigo antenado que quer salvar o planeta numa conversa de botequim.
É óbvio que as pessoas continuam tomando banhos demorados. Quanto mais o assunto vem ao encontro delas, mais precisam relaxar, entende? Ficam horas e mais horas debaixo da refrescante queda d´água. Sem contar o efeito calmante do som da água escorrendo pelo ralo. Ops, olhando por esse prisma o efeito estufa tá causando um efeito colateral danado!
Papo vem, papo vai e nada sai do lugar, a não ser as árvores da Amazônia que viajam de caminhão todo santo dia. Esse, coitado, é outro assunto que parece inflamar e esquentar sangues e bate-papos, mas que na verdade desaquecemos num instantinho também. Nós globais já estamos pra lá de conformados com todo o tipo de violência, seja ela vermelha, seja verde. Uma tragédia social aqui, outra ambiental ali. Acho que a gente só vai se dar conta quando as chamas baterem na...bem, você sabe onde. E a cada dia que a temperatura sobe eu só me pergunto uma coisa: pra onde a gente vai correr quando o circo realmente pegar fogo?

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Replay

Esse mundo dos avançados recursos tecnológicos é incrível mesmo. Em pensar que há poucas décadas quem não tivesse visto a fórmula um ao vivo não teria visto a vitória do Rubinho. Ainda bem que inventaram o replay. Ontem à noite tive o grande prazer de redescobrir o valor dessa grande invenção. Depois de tantas outras tão impactantes como a internet e seus twitters, a gente acaba se esquecendo de algumas maravilhas do século vinte. A edição de imagens e o replay, por exemplo, são recursos bárbaros! Fiquei grudada no compacto da globonews só pra ver o final da corrida. Confesso que me deu um frio na barriga durante todo o replay, porque é tão raro ver o Rubinho vencer, mas tão raro, que eu fiquei com medo do final ter mudado. Não via a hora de o compacto terminar e ver que aquela notícia inacreditável que os portais informaram durante o dia era mesmo verdade.
E foi, ufa!
Depois de tamanho alívio, dei uma pulada de canais e parei no irritando Fernanda Young, já que eu não tinha mesmo ficado irritada com o fim da corrida. Mas, por incrível que pareça, em vez de me irritar, me deixou relax da vida. Afinal, aquela outra maravilha do universo tecnológico - o adaptador pra high definition - ainda não foi instalado na nossa tevê plana.....e pelo visto eu nem vou querer que instalem. Você já viu como as imagens exibidas em tela cheia deixam as gostosonas todas distorcidas? A Young, a Paes, a Angélica, a Poeta e a Sangalo com brações, colões, popozões, cinturões....ahhh...essas imagens distorcidas dão um alívio tão grande na gente que tá do lado de cá da tevê sentada na vida real! Bem que a playboy podia ser feita só com fotos em grande angular!

E por falar em telas planas cheias e distorcidas, continuo cada vez mais pasma com os inimagináveis avanços desses recursos todos. Sim, porque soube que telas planas dos micros de centenas de crianças de cinco aninhos de idade estavam sendo preenchidas com lições atrasadas devido às férias escolares prorrogadas pela gripe A. Ahhh....faça-me o favor! Crianças de cinco anos precisam repor o prejuízo ficando diante da internet nas horas vagas?! Estamos na Era dos avanços ou dos retrocessos? Se bem que, olhando pelo lado bom das coisas, pelo menos me sinto um pouco mais confortável em ver que não é só a minha tevê que tem tantas distorções. Ou será que são os meus óculos que estão com suas telinhas tão distorcidas e embaçadas?

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Suininha básica

Já que estou com gripe, vou aproveitar pra ficar em casa e escrever. Claro! Porque depois da gripe suína, qualquer espirrinho à toa já olham pra gente com cara de socoooorro...tem uma assassina do meu lado. Mais interessante ainda é que os beijinhos habituais pra cumprimentar viraram encontros de bochechas amigas, sem nenhum tiquinho de baba pra esticar a conversa. Descobri cada bochecha dura que antes pareciam tão fofinhas! E depois do aperto de mão, adivinha, lá vem o álcool-gel entrando em ação. Esse vidrinho tá dando mais ibope do que os perfumes de bolso. Já experimentou ir à farmácia pra comprar um? Tem que entrar pra fila de espera! Bem, se outro dia eu soube que uma bolsa da Louis Vuitton no valor de vinte e três mil reais estava em lista de espera, por que um mero vidrinho de dez reais não estaria? É por uma questão de vida ou morte também. E pelo menos o tamanho da bolsa dá até pra carregar um vidro um pouquinho maior, álcool-gel tamanho família. Quem sabe logo logo não lançam um de grife. Ia dar o que falar nas colunas sociais. Afinal tem socialite à beça pra desinfetar!
Sem contar a função social que a gripe está tendo. Renovou o papo das rodinhas, pelo menos nos elevadores as pessoas deixaram um pouco de lado a profissão de meteorologistas e passaram a ser infectologistas. " – Viu só, mais de um milhão já foram infectados só em São Paulo!!!...é que ninguém quer fazer alarde". Ora, essa é nova pra mim, porque se tem uma coisa que fazem alarde mesmo sem ser caso de alarde é desgraça. Tem a tevê-desgraça, a rádio-desgraça, a revista-desgraça, o portal-desgraça, jornais-desgraça, esses então não dá pra escolher entre tantos títulos. Agora eu te pergunto: você acredita que se realmente a coisa está tão preta a mídia ia pintar de azul-calcinha? Bem, eu resolvi não encanar muito não, vou levar a vida normalmente. Só espera um pouquinho aí que o zelador veio me trazer uma correspondência e eu vou chegar até o banheiro pra lavar a mão. Mas é rapidinho, não sai daí, hein.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Última vez

Decidi. Nunca mais vou escrever.
Toda vez que começo escrever perco aos poucos a minha memória.
No segundo parágrafo já não lembro quem sou.

Da última vez que comecei a escrever lembro de poucos detalhes. Havia uma igreja, um padre, um confessionário. Lembro de um guardanapo me dado pelo padre. Lembro também de uma caneta que ele me deu. A tinta me chamou a atenção: era vermelho sangue.
Uma lágrima correu sobre minha face rubra. O padre também ficou com as maçãs do rosto rubras, fechou os olhos ao ler a primeira frase que eu havia escrito.
O guardanapo se transformou em cor de vinho, denso, forte, diria que era vinho de garrafão envelhecido há anos no carvalho.
Algo era muito importante, sei, mas não me lembro mais quem eu era...
Seria eu a moça ou o padre?

No dia seguinte àquele abri os jornais e vi a manchete de que uma moça se encontrava degolada dentro de uma igreja. Ela estava nua e banhada de sangue dentro de um confessionário. O padre fora preso com um guardanapo todo ensanguentado que havia escondido no interior de sua batina.

Fechei rapidamente o jornal e pensei: quem era aquela moça? Haveria alguém se fazendo passar por mim? E eu, quem sou? Você tem alguma ideia? Se souber, por favor, diga, escreva... porque eu, eu já não posso.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Livro de receitas

Dizem que a vida só tem graça quando a gente encontra um sentido para viver. Eu encontrei alguns. Fazer nada. Descobrir tudo. Dançar, viajar, amar, cozinhar, meditar, namorar, sonhar, conquistar, rezar. Uns, com sabores meio amargos....fazer o quê? Outros, mais açucarados. Mas no meu livro de receitas da vida sempre procuro realçar os agridoces.
Misturar todos esses ingredientes nas páginas de uma única história tem resultado num sabor inigualável. E traduzir essa grande viagem em palavras tem sido como acrescentar a pitada de sal que faltava e o punhado de especiarias aromáticas essenciais para finalizar o banquete com aquele toque mágico de quem faz questão de degustar a vida como um gourmet.

sábado, 25 de julho de 2009

O ciclo da vida

Óvulo,
Ótimo!
Ofício,
Óculos,
Óbvio!
Ócio,
Óbito,
Ossos.

Mãe

Não comecei a escrever para ganhar a vida. Mas para me salvar dela.
Uma morte abrupta me colocou a caneta entre os dedos trêmulos e apavorados, carregados de tintas vermelhas que se espalhavam pelas linhas do caderno espiral.
Lágrimas contidas se transformavam em letras desaguadas. A caneta deslizava veloz, acompanhando meus batimentos cardíacos. Meus pensamentos ficavam para trás. E quando a autora cansada, a caneta, parava para repor a carga era o momento que eu entrava em cena para saber o que havia escrito. Lia tudo exatamente como um leitor lê um texto pela primeira vez.
Três pequeninas letras e um til abandonavam o meu roteiro de vida naquela trágica e obscura madrugada. Porém, seria o sumiço dessas minúsculas letrinhas, que juntas compõem a mais sublime palavra do universo, que fizeram brotar a semente de tantas outras que vieram e ainda estão por vir?
Dou minha palavra….até hoje tenho interrogações.

Filho

Filho

Um dia eu vou partir

E você vai ficar

Vai ficar com meus tesouros

e minhas pérolas

Vai ficar com a minha vontade

de mudar o mundo

de fazer o Ser se amar

mais do que ser amado

Vai ficar com as minhas ideias

que jamais conseguiram vitrine para brilhar

Vai ficar com o meu olhar sobre a linha do horizonte

sempre querendo enxergar além-mar

Vai ficar com minha inquietude por

não me conformar em viver apenas uma vida e

não vidas paralelas sem saber como,

além de brasileira, branca e mãe seria

ter sido africana, negra, enfermeira de

um campo de refugiados, ou japonesa, amarela e gueixa.

Filho

Você vai ficar com tudo

Vai ficar com um amor que o mundo jamais viu

e, o que é pior,

Vai ficar com meu medo de amar tanto, meu medo de ir

e te deixar, e todo pavor que tenho que você me deixe antes de eu partir.

Filho

Antes de minha despedida quero que você saiba

que toda a minha história se completa com a sua chegada

que nada antes vivi diante da vida do que você me trouxe.

Filho

Quero que fique com os meus carinhos

minhas broncas e conselhos

Mas fique, principalmente, com meu sorriso largo

e meus olhos reluzentes de todas as vezes que olhei pra você.

Esposa, que falta ela faz

Ele nem precisou parar pra pensar na falta que ela fazia. Afinal, quarenta e dois anos vivendo debaixo do mesmo teto não se esquece num piscar de olhos. O lado direito da cama parecia tão frio, mas o que incomodava mesmo eram os seus chinelos fora do lugar.

Como ele se sentia seguro ao admirar todas as noites aquele par bem ajeitado no assoalho do lado esquerdo da cama, perto do abajur que ela sempre ligava pra ele ler antes de adormecer.

O travesseiro...ah..como ela sabia mensurar a altura exata do travesseiro (nem pra cima demais, nem pra baixo demais) para o repouso de seu pescoço sempre tão tenso após a leitura dos jornais na poltrona reclinada na sala de estar enquanto ela terminava de secar e guardar a louça. Ele recostava a cabeça como se estivesse deitando sobre as mãos de uma massagista atenta e delicada. E ler seu livro de cabeceira ou suas orações de santinhos era algo que, preparado com todo aquele carinho, o fazia levitar sobre os lençóis limpos, esticados e com cheirinho de flores do campo. Até o aroma do amaciante de roupas ela sabia qual mais lhe agradava.

Cada pequeno canto da casa, cada carta empilhada por ordem de chegada sobre a escrivaninha, cada toalha recolhida úmida da cama, cada pãozinho quente no café da manhã deixado bem ao lado de sua caneca preferida, cada paletó sem um único pelo branco pendurado sobre a cadeira próxima da porta social, cada cueca e cada meia recolhida do chão do banheiro... eram tantos os detalhes, tantos pequenos gestos de amor, que era impossível não sentir sua falta. Mesmo assim, ele se casou rápido para enorme espanto de parentes, filhos e do vizinho de portão. Até as noras ficaram pasmas tamanho o amor que ele declarava pela falecida mulher. A forma como tudo se sucedeu lhes soou como traição. Tomando conhecimento de todos os comentários, - os assumidos em alto e bom som e os tecidos por linhas mal costuradas -, ele indagou aos seus próprios botões quem afinal faria com tamanho zelo e devoção tudo aquilo que a mulher fizera por ele anos e anos a fio.

Pensando bem, ele estava certo, concluiu. Fez bem de casar com a empregada.