quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Banho

Hoje não. Não poderia ser só um banho. Não, hoje não. Hoje tinha que ser um banho de vó. Num banheiro de vó. Com piso de vó, com cortinas de vó, banheira de vó, tapetinho de vó, espumas de vó, cheiro de vó. Não, hoje não. Hoje não poderia ser nessas casas modernas, nesses apartamentos minúsculos, nem que fossem grandes, não poderia. Hoje tinha que ser nessas casas largas, antigas, azulejadas, tudo grande, tudo espaçoso, banheira branca, canos enferrujados, banheiro a perder de vista. Vaso aqui, banheira lá longe. Hoje nenhum vidrilho pós-moderno tamparia o buraco desse caco que se estilhaçou em mim. Nenhum metal arrojado estancaria essa gota d´agua. Há um cano que se rompeu. Uma vontade imensa de mergulhar naquela fonte que ficou lá trás, bem lá trás, e que nunca mais voltará.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Meditar

Presenças. Apenas e tão somente. Aromas. Cheiro do mato. Cheiro da chuva. Bolinhos de chuva. Céu de chuva. Barulho de chuva. Gotas de suor. Ruídos. Lenha. Serrador de lenha. Fogão a lenha. Cebolas picadas recém colhidas da horta. Cenouras ainda com terra. Pão. Cestas de pão. Casquinhas de pão. Grilos. Crianças. Choro de criança. Chorinho. Sapo. Sensações. Ossos. Bunda. Frio. Quente. Macio. Duro. Pés. Formigas. Formigas nos pés. Formigamento. Peito. Aperto. Nó. Soltura. Espaço. Ar. Amplidão. Domínio da mente. Domínio do pensamento. Sim. Não. Não quero. Quero. Flagrante. Agora não. Domínio do tempo. Ontem foi. Passou. Amanhã mora longe. Aqui. Agora. Possibilidade única. Tangível. Contemplação plenamente possível.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

O voo



(essa história nasceu assim: Dani Pretto - mora em Lisboa e fez essa linda foto -
todos os dias admirava essa senhora feliz em sua janela; até que um dia passou e viu
a mesma fechada com placa de vende-se)

















Que estranho, vejam só.
A janela da Lapa bateu asas e voou.
Bem me intrigavam aquelas ventas escancaradas
da manhã ao entardecer.

Mas que outras molduras ornamentariam tão bem
os doces cabelos de algodão daquela bela senhora?
E existiriam plateias mais dignas, fieis e distintas
Que aqueles senhorzinhos trajados com pequenos smokings?
Todos os dias estavam lá, diante da bela senhora, diante da bela janela.
Eles, falando com ela. Ela, assobiando para eles.

Um dia, belo, como todos os outros,
Receberam visita.
O tempo chegou para um, assim como chega para todos os outros.
A janela se foi.
Mas as longas e felizes conversas da senhora com os pombos
Continuam lá.
Ainda dá para ouvir.

sábado, 9 de outubro de 2010

Peeling

Fiz peeling
I’m getting older
Sou capaz de tudo
Ou melhor,
Plásticas não
To do or not to do?
Eis a questão.
Mas me render às escavações cosméticas, sou capaz
Sim, sou
Why not?
I told you
Fiz peeling
Mas, uma coisa é fato
Concreto,
Preto no branco
Me rendo
À cosméstica que de fato devolva o encanto dos trinta,
Mas jamais encubra o brilho dos quarenta.