Tirei o dia pra não fazer nada por mim. Fui ao mercado, porque a família estava precisando ser abastecida. Eu mesma não tava precisando de nada. Na saída estacionei meu carrinho ao lado do caixa preferencial para idosos, gestantes e deficientes. Um casal de velhinhos estava nesse caixa preferencial tirando as compras do carrinho quando notei o enorme esforço do velhinho para tirar uma garrafa de água de cinco litros da parte de baixo. Larguei meu carrinho no outro caixa e fui até ele, me agachei tirando a garrafa ali de baixo e suspendendo até a esteira. – Tá apressadinha, é? Então vai noutro caixa! Não tá vendo que aqui é pra idosos, minha filha? Nem precisa dizer que se a velhinha da mulher dele não fosse uma velhinha eu tinha subido no pescoço dela. O velhinho ficou com aquela cara de ai, minha filha, ela mandou a vida inteira em mim não é agora que vou fazer uma tempestade numa garrafa d´água. Voltei pra minha fila e aguardei minha vez. Passei as compras e conferi a notinha. – Moça, a conta tá errada. A caixa me devorou viva, olhando a longa fila que se fazia atrás de mim. – Que que é dona, que que tá errado aí? – Você passou o vinho só uma vez, e eu tô levando duas garrafas. Eu nem teria notado que sua sobrancelha era uma perigosa taturana daquelas que esturricam os dedos do pé da gente caso ela não tivesse erguido tanto a bichinha. – Pois é, moça, parece piada, mas eu tô falando que você esqueceu de computar mais uma garrafa aí nessa registradora e se eu não fosse sincera a grana ia sair do seu bolso no fim do dia. Não vai nem me agradecer por isso? Silêncio geral na nação. Nem um a.
E não foi só a taturana dela que ficou estampada lá no alto da testa não. A fila toda olhou desconfiada. Devia mais é ter saído sem falar nada. Mas como podia?, se era o dia escolhido pra não fazer nada por mim, só pelos outros? Cheguei em casa, despenquei as compras na pia e resolvi tomar um ar. Fui andar pelas ruas, eis que um moço à minha frente tirou um lenço do bolso de trás da calça e uma pequena carteira caiu. Corri até ele, peguei a carteira da calçada e quando fui entregar a bendita, ele se virou achando que eu tava tirando do bolso dele. Minha nossa senhora! Foi um fuzuê! Por pouco o mal-agradecido não chama a polícia! Virei as costas e resolvi voltar pra casa já que tava difícil mesmo fazer algo por alguém.
– Vou cuidar é de mim, pensei. Corri pra atravessar a rua antes que uma perua me pegasse de frente. Da perua eu desviei, mas não vi a moto que vinha na paralela. Fiz um zig-zag tentando escapar, mas a moto me arremessou longe, depois o motoqueiro caiu e se espatifou na sarjeta. Eu, ao contrário, não sofri nem um arranhão. Mais que depressa levantei e fui até ele, socorrê-lo. Olhei pro moço e deu dó, todo ensangüentado, da cabeça aos pés. Quando me viu abriu um dos olhos. Agachei em direção a ele que conseguiu com um esforço danado estender sua mão esquerda até mim. – Ufa, rapaz!, você tá vivo?!...Segurei o braço dele, respirei, e em seguida larguei, deixando cair pesadamente sobre o asfalto. – Tomara que agora venha uma jamanta bem carregada e passe em cima de você três vezes pra frente e pra trás até te esmigalhar em mil pedacinhos, cretino. Fui pra casa leve como uma pluma.
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