Ele nem precisou parar pra pensar na falta que ela fazia. Afinal, quarenta e dois anos vivendo debaixo do mesmo teto não se esquece num piscar de olhos. O lado direito da cama parecia tão frio, mas o que incomodava mesmo eram os seus chinelos fora do lugar.
Como ele se sentia seguro ao admirar todas as noites aquele par bem ajeitado no assoalho do lado esquerdo da cama, perto do abajur que ela sempre ligava pra ele ler antes de adormecer.
O travesseiro...ah..como ela sabia mensurar a altura exata do travesseiro (nem pra cima demais, nem pra baixo demais) para o repouso de seu pescoço sempre tão tenso após a leitura dos jornais na poltrona reclinada na sala de estar enquanto ela terminava de secar e guardar a louça. Ele recostava a cabeça como se estivesse deitando sobre as mãos de uma massagista atenta e delicada. E ler seu livro de cabeceira ou suas orações de santinhos era algo que, preparado com todo aquele carinho, o fazia levitar sobre os lençóis limpos, esticados e com cheirinho de flores do campo. Até o aroma do amaciante de roupas ela sabia qual mais lhe agradava.
Cada pequeno canto da casa, cada carta empilhada por ordem de chegada sobre a escrivaninha, cada toalha recolhida úmida da cama, cada pãozinho quente no café da manhã deixado bem ao lado de sua caneca preferida, cada paletó sem um único pelo branco pendurado sobre a cadeira próxima da porta social, cada cueca e cada meia recolhida do chão do banheiro... eram tantos os detalhes, tantos pequenos gestos de amor, que era impossível não sentir sua falta. Mesmo assim, ele se casou rápido para enorme espanto de parentes, filhos e do vizinho de portão. Até as noras ficaram pasmas tamanho o amor que ele declarava pela falecida mulher. A forma como tudo se sucedeu lhes soou como traição. Tomando conhecimento de todos os comentários, - os assumidos em alto e bom som e os tecidos por linhas mal costuradas -, ele indagou aos seus próprios botões quem afinal faria com tamanho zelo e devoção tudo aquilo que a mulher fizera por ele anos e anos a fio.
Pensando bem, ele estava certo, concluiu. Fez bem de casar com a empregada.
4 comentários:
Só mesmo vc para escrever tão bem e tantas coisas lindas e emocionantes. Já conhecia muito o seu talento, mais uma vez vc provou de tudo que é capaz.Parabéns, minha sobrinha, vc merece.
Bjos
E deste belo casamento nasceu Negritim Pneu...
Pois é, Paulinha Zogbi, depois de tanto tempo volto a ler seus textos. E, como sempre, aprovei (como se você precisasse disso). Bjs, saudades.
Só vc. mesmo, acabar esta história com ironia e bom humor...Muito bom!
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