quarta-feira, 14 de abril de 2010

Coleções

Cada um tem sua caixa de coleção. Eu tenho a minha. Outro dia resolvi dar uma espiada. Tinha tanta coisa guardada, mas tanta! E já que resolvi abrir, deitei na cama e pus tudo
de cabeça pra baixo. Achei que ia ser fácil remexer o passado, já que as coisas estavam expostas, ali, bem à minha frente. Mas não foi bem assim. Haviam peças empoeiradas, amontoadas, algumas até criando bolor. Apalpei algo. Era macio como um veludo meio acetinado. Era o laço do vestido da Teca, ahh... que saudades da boneca!... envolvia uma coleção de postais. Cada lugar que estive nesse mundo!!... nem lembrava que eram tantos! Mas lembro bem de outra coisa. Do dia do adeus pra Tequinha, minha filha de mentirinha.

A fita do vestido foi o pedacinho de pano que ficou na mão e na lembrança, contendo o rio de lágrimas. Estas, claro, não foram as primeiras, muito menos as únicas. Passei também a colecioná-las. Quedas e quedas-d´água. Em poucos dias me despediria pra sempre de um amiguinho da mesma idade, um vizinho da rua, que sentava na beira da calçada comigo jogando pedrinhas pro alto. Colecionávamos tesouros preciosos. Quando não eram pedrinhas, trocávamos latinhas com nossas brilhantes bolinhas de gude. E entre uma bolinha e outra uma confidência, um tapinha do pai, uma bronca da professora, um afago da vovó, uma conversa esquisita roubada atrás da porta. Nossa!!... uma gota pingou bem agora em cima de uma das latinhas. Olha ela lá. Está tão velha!... mal abre. Acho que enferrujou de vez. Mas cadê as bolinhas? Onde foram parar? Será que o danado do Dado pegou todas antes de partir?

Ouviu a trovoada? Lá vem chuva. De novo. Esse ano está um verdadeiro dilúvio! E eu aqui lembrando da vovó, do jardim de inverno e nossos grossos pingos de chuva batendo sem dó nas janelas de vidro. Uma de minhas coleções prediletas! Uma senhora orquestra! O som dos pingos e os zunidos da boca dela rezando o terço das seis. Colecionei nota por nota. Tom por tom. Cada um capaz de reacender minha infância como se risca um fósforo.

O tempo passando é uma espécie de coleção. Entristeço quando vejo que colecionei muito tempo perdido. Páginas e páginas que nem pra reciclar dá. E o contrário dá uma angústia danada. Muito tempo vivido, coisas boas demais, mas que passaram rápido como ventania. Páginas quase arrancadas pelo vendaval.
Antes que me arranquem as páginas que estão por vir, preenchidas com dores ou amores, calores ou tremores, quero estar certa de que irei continuar.
Sem coleções sou incapaz de respirar.

5 comentários:

Lee Swain disse...

Este tempo não é perdido não, flor, tempo vivido é o há de melhor. Imaginou olhar pra tras e não ter história pra contar?
Bjs e viva la vida loka!!!

EZInnovTools disse...

Não colecionao nada, mas este texto entrou para a coleção que meus neurônios fazem.

Palavra Criada disse...

Adorei, querida, como sempre!
Eu coleciono caixinhas. Assim se houver algum motivo de arrependimento coloco dentro delas e as deixo bem fechadinhas! beijosa todos

Unknown disse...

que delicia de texto!!! Eu coleciono fotos. tenho um armario cheio de albuns e fotos soltas. viajo com elas, adoro, adoro....em cada foto uma historia. Alias, tenho fotos suas!!! beijos diretamente da cidade maravilhosa e saudades de voce minha amiga.

Unknown disse...

Sabe Pá, comecei a abrir minha caixa de coleção (ou coleções) e algumas resolvi fechar rapidinho. Outras limpei e guardei novamente, pq elas fazem de mim o que sou hoje, goste ou não. Mas a única coleção que me importa está bem guardada no meu coração. São os meus amigos e claro, vc é uma das que encabeça a lista. Bjos grande