Sei bem de onde vem esse meu desejo de ter um pequeno zoológico em casa. Ahhh..se eu pudesse! Tudo começou no quintal lá de casa. No Tatuapé. Como toda criança, eu era louca por um cachorrinho. Mas até chegar o bendito dia de convencer meu pai a termos um cão em casa fui ganhando outros animaizinhos como paliativo. Vieram os peixinhos de aquário, depois as tartarugas, os coelhinhos, mas a felicidade bateu mesmo à minha porta quando entrou o Joaquim. Que coisinha linda era aquele pintinho. Tão pequenino, tão menino, tão Joaquim. Não tive dúvidas de que o nome daquela criaturinha amarela seria esse.
Joaquim entrou no meu quintal e na minha vida de menina solitária. Sim, eu tinha mais quatro irmãos, mas todos já estavam com a cabeça nos livros, nos Beatles, nas namoradas. Eram bem mais velhos do que eu. Quando meus primos da minha idade não iam lá pra casa passar as tardes comigo, lá ia eu me refugiar no meu pequeno zôo.
Joaquim era o anfitrião do petit comitê. Era o rei dos meus animais. Parecia entender tão bem as tartarugas, os coelhos, os peixes. Como era inteligente o bichinho! Agora, o grande amor da vida dele, modéstia à parte, era eu. Pra onde eu ia aquele toquinho de gente, - claro, pra mim ele era como alguém da família – ia atrás de mim. Era tão engraçado porque parecia meu rabo. Tanto eu gostava dele correndo atrás de mim pelas calçadas que fazia ziguizagues pra ver ele de um lado pro outro que nem um louco. Como ele ficava tonto!
Um dia ele cresceu. E - quase que pra minha morte precoce - virou almoço.
Minha querida vó Ana nasceu em Portugal, Trás os Montes, obviamente, pra ela que viveu naquele remoto vilarejo, frango em casa era sinônimo de comida. Eu era pequena, ainda não sabia dessas coisas de costumes e culturas. Infelizmente só vim a saber quando ouvi qual era o cardápio do dia. Não, não fique com dó de mim, não. Esse foi apenas o primeiro dos assassinatos domésticos da serial-killer da minha vó. Depois vieram as tartarugas.
Uma delas, a que vivia na terra, fui encontrar morta na lata do lixo quando levei um saquinho com sobras do almoço que minha mãe pediu pra despejar. Vejam como a psicologia infantil do tipo “aos trancos e barrancos” passa rápido de mãe pra filha! Pelo menos, apesar do susto, e da forma trágica como tomei conhecimento do óbito, não tive que comer carne de tartaruga.
Os coelhinhos, que tinham nome e tudo, também tiveram seu papel gastronômico naquela casa. Depois do Joaquim, eram os dois que tinham suas próprias casinhas dentro do meu coração. Quando chegava da escola, depois da morte do Joaquim, eu jogava os cadernos no sofá e corria pra vê-los no quintal. Aqueles chumaços de algodão branco com aqueles olhinhos carentes e vermelhinhos me derretiam por dentro. Tá certo que eles acabaram com as ervas, temperos e chás que a vó Ana tinha plantado com tanto apreço e que eram ingredientes fundamentais nas suas gigantescas panelas. Não deu outra, foram pros caldeirões cozinhar junto com os poucos louros e cebolinhas que restaram da pequena horta.
Agora eu sei o que você vai me perguntar: se eu comi carne de cachorro? Por incrível que pareça aprendi precocemente nas ruas que cachorro-quente nada tinha a ver com carne de cachorro. E as duas cadelas que tive passaram em casa como um relâmpago. Meu querido pai deu um jeito de enxotar em tempo recorde. Literalmente da noite pro dia. Ou você acha que ele tinha mudado de ideia sobre aturar latidos e pisar em cocos? Bem, voltando às especiarias preparadas com tanto esmero lá na cozinha de casa, nem tartaruga, nem coelho, nem cachorro. A única coisa que continuei comendo foi frango, embora não o Joaquim, de jeito nenhum. Acho que porque já estava acostumada a comer aves antes dele ser abatido. E assim termina a triste trajetória de minha infância com os animais. Lembranças um pouco cruéis, mas que hoje se fazem tão doces em minhas memórias de menina.
Um comentário:
Irado! Um prato cheio pra terapeuta.
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